Aprovado acordo histórico contra aquecimento global
Depois de anos de negociações e hesitações, um acordo histórico para conter o aquecimento global foi aprovado neste sábado em Paris. Representantes de 195 países disseram "sim" a um novo tratado internacional, que envolverá todas as nações num esforço colectivo para tentar conter a subida da temperatura do planeta a 1,5ºC.
Se as promessas forem cumpridas, algures na segunda metade deste século o mundo terá praticamente abandonado os combustíveis fósseis e as emissões que restarem de gases com efeito de estufa serão anuladas pela sua absorção por florestas ou pela sua captura e armazenamento.
A base do acordo são planos nacionais, a apresentar a cada cinco anos por todos os países, contendo a sua contribuição para a luta contra o aquecimento global. É uma abordagem duplamente diferente da que havia até agora na diplomacia climática. Não há metas impostas aos países, são eles que decidem o que fazer. E todos têm de participar, e não apenas os países desenvolvidos, embora estes tenham de liderar os esforços na redução de emissões de gases com efeito de estufa.
É a primeira vez que surge um acordo internacional, com força legal, a vincular todos os países a fazerem esforços para conter as suas emissões.
Um mecanismo de monitorização e reforço destes planos vai ser colocado em prática, para assegurar que o limite de subida dos termómetros não será ultrapassado. E os países desenvolvidos prometem ampliar a ajuda às nações mais vulneráveis.
Apesar das críticas de que lhe falta ambição, o acordo é visto como um passo histórico, pelo seu carácter universal e por ultrapassar divergências que tinham até agora impedido que se encontrasse um substituto do Protocolo de Quioto.
O Acordo de Paris, como foi baptizado o resultado da cimeira, resulta de quatro anos de negociações e de uma maratona final de duas semanas numa cimeira climática da ONU em LeBourget, nos arredores da capital francesa.
Na manhã de sábado, dia 12, depois da derradeira noite de negociações, o ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Laurent Fabius, anunciou que havia um texto final, representando um compromisso entre todos os países. Emocionado, foi aplaudido de pé.
Foram ainda necessárias horas suplementares para resolver algumas objecções finais e traduzir o acordo nas seis línguas oficiais das Nações Unidas.
Ao final da tarde, o plenário da conferência foi-se enchendo com ministros e negociadores sorridentes. Bateram-se palmas novamente para Laurent Fabius. O secretário de Estado norte-americano, John Kerry, chegou acompanhado pelo ex-vice-Presidente Al Gore – que atendeu a sucessivos pedidos para selfies. O clima era de festa, alívio e dever cumprido.
O plenário ainda haveria de atrasar mais uma hora e meia e só depois das 19.00horas é que teve início. Às 19.26horas (20.26horas em Maputo), sem objecções de nenhum país, o ministro Laurent Fabius bateu o martelo e o mundo adoptou o primeiro acordo universal para o fim dos combustíveis fósseis.
Dos pontos essenciais do acordo, a referência ao limite de 1,5ºC é um dos principais avanços. Até agora, o que estava acordado internacionalmente era uma meta de 2ºC. No acordo, o objectivo é conter a subida dos termómetros a um valor “muito abaixo de 2ºC” e “prosseguir esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5ºC” acima dos níveis pré-industriais.
Outra novidade é a de que será reforçada, em 2025, a meta de 100 mil milhões de dólares anuais (91.200 milhões de euros) de ajuda aos países em desenvolvimento, que já tinha sido prometida pelas nações ricas.
Quando Laurent Fabius deu o acordo por aprovado, o plenário irrompeu num comovente aplauso. Houve uma longa ovação, abraços e lágrimas.
“Esta conferência representa a primeira na longa jornada que a comunidade global tem de fazer junta”, disse a ministra do Ambiente da África do Sul, Edna Molewa, em nome do grupo dos países em desenvolvimento, o G77+China.
“Hoje assisti a uma vontade política que me dá esperança de que podemos mudar o mundo juntos”, referiu a ministra luxemburguesa do Ambiente, Carole Dieschbourg, em nome da União Europeia.
O secretário de Estado norte-americano, John Kerry, referiu que “é uma vitória para todo o planeta e as futuras gerações”. E o chefe da delegação chinesa, XieZhenhua, declarou: “Não é o acordo perfeito, há áreas que precisam ser melhoradas, mas isto não nos impede de iniciar uma marcha histórica avante”.
Na longa sessão de discursos, a Nicarágua levantou reservas ao acordo e disse que não o acompanharia.
Um dos pontos mais importantes do acordo é ao mesmo tempo o seu calcanhar de Aquiles. Estabelece que todos os países terão de atingir o pico das suas emissões “o mais cedo possível” e chegar, na segunda metade deste século, a um “equilíbrio” entre emissões de gases com efeito de estufa e a sua remoção da atmosfera por “sumidouros” – florestas, por exemplo. Ou seja, o saldo de emissões terá de ser nulo.
Na prática, é a sentença de morte aos combustíveis fósseis, já que para lá chegar será preciso reduzir drástica ou totalmente o seu uso. Mas a falta de uma data concreta para a redução de emissões deixa muitos pontos de interrogação. Os cientistas acreditam que é preciso reduzir a zero as emissões de CO2 já até 2050. “Os países vão poder continuar a poluir, cruzando os dedos para que surja algo que possa sugar todo o CO2”, disse Teresa Anderson, da organização Action Aid International.
Outros, como Asad Rehman, dos Amigos da Terra, foram mais contundentes: “Colidimos com o iceberg, o navio está a afundar e a banda ainda está a tocar, sob caloroso aplauso”.
As promessas de curto prazo, até 2030, já apresentadas pelos países põem, por ora, os termómetros rumo a um aumento de cerca de 3ºC. O processo de revisão previsto no novo acordo procurará aumentar a sua ambição.
“O acordo sozinho não nos tirará do buraco em que estamos, mas faz que a subida seja menos íngreme”, entende Kumi Naidoo, da Greenpeace.
“Com o Acordo de Paris, Portugal irá ter de rever também a sua política climática e energética”, sustenta a associação ambientalista Quercus, num comunicado.
O Acordo de Paris contém partes legalmente vinculativas e outras que não o são. A elaboração dos planos nacionais e a sua monitorização e revisão, por exemplo, são mandatórias mas as metas ali inscritas, não. O texto do acordo foi cuidadosamente elaborado para evitar vinculações legais que obrigassem à sua aprovação por dois terços do Senado norte-americano, uma maioria impossível de se conseguir.
O documento agora será aberto à subscrição formal dos países no dia 22 de Abril de 2016 – Dia da Terra. Para passar a ter força legal, tem de ser ratificado ou aceite por pelo menos 55 nações, representando no mínimo 55% das emissões globais de gases com efeito de estufa. As suas disposições só entram em vigor em 2020.